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Deepfakes e Prova Digital: Dá para Confiar no que se Vê?

Vivemos na era da imagem. Vídeos viralizam em segundos, capturas de tela são tomadas como verdades absolutas e áudios servem como provas irrefutáveis em debates e julgamentos. Mas e se nada disso for real? Com o avanço das tecnologias de inteligência artificial, surgem os deepfakes — vídeos e áudios falsos, gerados com altíssimo realismo — e, com eles, uma dúvida inquietante: a prova digital ainda é confiável?

Neste artigo, analisamos como os deepfakes desafiam a integridade da prova digital no Direito, quais os impactos práticos nos processos judiciais e como o sistema jurídico pode reagir para proteger a verdade em um mundo onde até a realidade pode ser fabricada.

O que são deepfakes?

Deepfake é a junção de “deep learning” (aprendizado profundo) com “fake” (falso). Trata-se de uma tecnologia que utiliza redes neurais para criar vídeos e áudios falsificados, muitas vezes indistinguíveis do material real. É possível, por exemplo, gerar um vídeo onde uma pessoa parece dizer algo que nunca disse, com voz, expressão facial e entonação quase perfeitas.

Essas manipulações vão muito além de montagens amadoras. Elas se tornam especialmente perigosas quando entram no campo jurídico, sendo apresentadas como prova digital.

O desafio jurídico da manipulação audiovisual

No sistema judicial, a prova digital inclui qualquer elemento em formato eletrônico — vídeos, áudios, prints, metadados, entre outros. A autenticidade e a integridade dessas provas sempre foram um ponto sensível, mas os deepfakes tornam esse desafio ainda mais crítico.

Imagine um vídeo apresentado em um processo de assédio moral, em que o acusado aparece fazendo declarações ofensivas. Se for um deepfake, como o juiz pode ter certeza de que a gravação é real? E mais: como proteger uma vítima de ter sua imagem usada de forma manipulada para desacreditá-la?

A pergunta que surge é urgente: dá para confiar em uma prova digital em tempos de deepfake?

Impactos diretos dos deepfakes nos processos judiciais

  1. Maior necessidade de perícia técnica: A autenticidade da prova digital precisará ser verificada com apoio de especialistas forenses e ferramentas avançadas.
  2. Aumento da litigiosidade: A parte que se sentir prejudicada poderá contestar mais facilmente a validade de vídeos e áudios, o que pode prolongar os processos.
  3. Dificuldade na proteção da verdade: O uso de deepfakes pode distorcer narrativas, gerar provas falsas e até mesmo intimidar testemunhas.
  4. Prejuízos à imagem e à honra: Mesmo que o material seja falso, o estrago causado por sua divulgação pode ser irreversível.

A legislação está preparada?

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) traz diretrizes sobre uso ético de informações pessoais, mas não trata diretamente da manipulação de imagens ou áudios por IA. Já o Marco Civil da Internet prevê a responsabilização por danos causados com o uso de dados e conteúdos digitais, o que pode se aplicar em alguns casos de deepfake.

No campo da prova digital, o Código de Processo Civil já permite a contestação da autenticidade de documentos eletrônicos. No entanto, frente aos deepfakes, esse modelo se mostra insuficiente. É necessário repensar o padrão probatório: o ônus da prova digital pode precisar ser redistribuído e os critérios de admissibilidade mais rigorosos.

Como o Direito pode reagir?

Para lidar com os desafios impostos pelos deepfakes à prova digital, algumas medidas são urgentes:

  • Criação de padrões de verificação: O Judiciário pode estabelecer exigências técnicas mínimas para que vídeos e áudios sejam aceitos como provas.
  • Incorporação de selos de autenticidade: Plataformas podem adotar certificações digitais ou blockchain para garantir a origem dos arquivos.
  • Aprimoramento das perícias digitais: O papel do perito torna-se ainda mais estratégico, exigindo conhecimento em IA, análise forense e detecção de manipulações.
  • Tipificação penal específica: Criar tipos penais para produção e divulgação de deepfakes com dolo de enganar ou lesar terceiros.
  • Educação jurídica sobre tecnologia: Operadores do Direito devem ser capacitados para entender os limites e os riscos da prova digital em tempos de manipulação sofisticada.

Conclusão

Os deepfakes representam uma ameaça real à confiança nas provas apresentadas em processos judiciais. À medida que a tecnologia evolui, o Direito precisa se adaptar rapidamente para preservar a verdade, proteger a integridade das pessoas e garantir a justiça. Confiar cegamente em uma prova digital passou a ser um risco — e a resposta jurídica a essa nova realidade será decisiva para o futuro da credibilidade nos tribunais.

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Cyro Luiz Pestana Púperi

Juiz de Direito Aposentado – Advogado – Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Púperi, Dutra e Moschem Advogados – Atuante na Área do Direito há mais de 40 anos – Palestrante – Escritor – Entusiasmado por Tecnologia e Evolução Tecnológica – Especialista em Direito Civil – Pós- Graduando em Direito Empresarial e LGPD – Cursando especialização em Legal Operation: Dados, Inteligência Artificial e Alta Performance Jurídica na PUC do Paraná - Participou de vários cursos nas áreas de Legal Design e Visual Law.